COVID 19: (RE)ADAPTANDO OS CONTEXTOS DE TRABALHO
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Autor(es)
José M. N. Moniz
Enfermeiro-chefe, Unidade de Tratamento 4 do Hospital de Santo Espírito da Ilha Terceira
No início do surto, o Hospital de Santo Espírito da Ilha Terceira, HSEIT, foi o Hospital de referência para a COVID19, para onde começaram a ser enviados os primeiros casos suspeitos detetados na Região Autónoma dos Açores.
Ao longo dos primeiros dias de fevereiro apercebemo-nos que existia um número cada vez maior de pessoas infetadas por Covid19 num número cada vez maior de países. Ao longo desses dias inteirámo-nos das orientações emanadas pelo Hospital, Direção-Geral de Saúde e Direção Regional de Saúde: circulares informativas, normativas e plano de contingência. Com o conhecimento adquirido aquando da gripe por H1N1 em 2009 e a calma e os cuidados indicados nestas situações, readaptámos o serviço e reforçámos o mesmo com mais equipamentos de proteção individual. No mesmo período reforçámos os treinos sobre o uso dos mesmos, pois uma gestão criteriosa desses equipamentos foi, é e continuará a ser uma realidade com a qual nos devemos confrontar no dia-a-dia; a sua adequada utilização exige de todos cuidados e uma atenção redobrada.
Com o aparecimento do primeiro caso positivo em Portugal Continental, tínhamos a certeza que seria uma questão de dias até surgir o primeiro caso.
Na Ilha Terceira, com uma população estimada em cerca de 55000 pessoas, comemora-se muito o Carnaval; ele é festejado com manifestações de teatro popular muito próprias, que levam centenas de pessoas a transformarem-se em atores e músicos por quatro dias e milhares de pessoas a assistirem em coletividades em todas as freguesias da Ilha (este ano aconteceu de 22 a 25 de fevereiro). Nessa altura, já havia uma certa preocupação, pois grandes ajuntamentos são propícios ao contágio. E, tivemos o primeiro caso suspeito no dia 27 de fevereiro, imediatamente a seguir ao Carnaval: uma pessoa que tinha estado em Milão e que tinha estado presente em algumas coletividades dedicadas ao Carnaval. Perante este caso suspeito, a preocupação foi grande, mas como o resultado do teste para Covid19 veio a revelar-se negativo, pudemos relaxar um pouco mas retivemos a aprendizagem que fizemos com a situação.
Até 15 de março tivemos mais alguns casos cujos resultados foram negativos para Covid19, mas nesse dia registámos o primeiro caso Covid19 positivo numa pessoa que ficou internada num quarto com pressão negativa da Unidade de Tratamento 4 do HSEIT. A partir desta data mais casos surgiram e alguns ficaram internados nesta unidade de tratamento.
Numa terra em que as pessoas praticamente se conhecem, as que ficaram internadas por infeção demonstravam alguma preocupação por estarem infetadas e por poderem, involuntariamente, ter contagiado outras. Como se não bastasse, os comentários/críticas que iam seguindo nas redes socias despoletavam sentimentos de culpa com os quais tinham, também, de lidar, pois faziam-lhes crer que se infetaram intencionalmente e, por isso, a equipa teve de minimizar esses sentimentos negativos.
Os enfermeiros na sua experiência profissional, desenvolvem e observam muitas maneiras de entender e de lidar com a pessoa alvo de cuidados e podem oferecer vias de entendimento, de controlo e de aceitação no que para a pessoa, pode ser uma experiência única e desconhecida e a experiência profissional com doentes com Covid19 está a sê-lo. A utilização dos equipamentos de proteção individual tão necessários à proteção da doença, também se constituíram barreiras à comunicação com os doentes. Foi preciso reajustar a escuta e o olhar porque a utilização de equipamentos como máscaras, óculos e viseiras dificultavam.
Não tivemos falta de equipamentos de proteção individual, mesmo na altura em que não abundavam, embora tivessem sido disponibilizados com uma certa e necessária racionalidade. Na atual situação é importante que nunca faltem, que se percecione que não vão faltar e que sejam bem utilizados; tem sido sempre uma preocupação nossa.
É importante também não nos esquecermos dos colaboradores dos serviços de Higiene e Limpeza que já exerciam atividades essenciais para o bom funcionamento do Hospital e que passaram a ter um papel central para se prevenir a disseminação do Covid19. É, também, o serviço destes colaboradores que pode impedir que outras pessoas possam ser infetadas pela doença.
A atual situação de pandemia mostrou a importância do trabalho em equipa para a resposta que demos; nos cuidados de saúde não podemos caminhar sozinhos.
Angra do Heroísmo, 13 de julho de 2020