CRÓNICA DE UMA PANDEMIA: COMUNICAÇÃO EM TEMPO DE CRISE

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Crónica de uma pandemia: comunicação em tempo de crise
em 2020-05-15 Ano: 2020
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Autor(es)

Ana Infante
Administradora Hospitalar


O dia de trabalho para quem tem funções de gestão num hospital, sempre foi uma grande incógnita quanto ao início e fim da jornada de trabalho. Direi mais, nunca acaba. O dia de trabalho tem sempre um horário flexível de 24 horas, de segunda a domingo. Esta pandemia veio ainda mais acentuar tal verdade.

Num destes dias de emergência, já bem tarde e com o jantar a aguardar-me, enquanto conduzia de regresso a casa, o telemóvel não parava de tocar. As novas tecnologias têm destas coisas: umas boas e outras más. Os novos automóveis vêm já equipados com sistema de alta voz o que nos permite, mesmo a conduzir, continuar a trabalhar. Informavam-me que estava a circular na net um pedido de ajuda para o hospital. 

Enquanto jantava e via a conferência de imprensa do Ministério da Saúde, o telemóvel continuava a debitar as notícias do meu email institucional, do facebook, e do whatsapp. O mundo continuava como sempre a girar. Finalmente, ia ler a novidade…

O pedido de ajuda de alguns profissionais do Hospital, enviado para várias empresas do concelho, apelando ao fornecimento de bens alimentares e equipamentos de proteção individual, depressa foi utilizado e propagado pelas redes sociais como se de uma verdade absoluta se tratasse.
Esta iniciativa tinha contudo um senão: carecia de verdade, e exigia uma tomada de posição oficial do hospital, que tomámos, e que foi de imediato desmentida pelos órgãos de comunicação social regionais.

Na continuidade do estado de emergência, os jornais locais, as televisões e diversos órgãos informativos solicitavam pedidos de esclarecimento e entrevistas: segundo um sindicato, o Hospital não teria meios de proteção para fornecer aos seus profissionais que heroicamente combatiam na linha da frente. As reportagens, transmitidas em horário nobre das televisões chegaram, desta vez, a todo o país e os efeitos não se fizeram esperar. Hora de jantar, novamente o telemóvel a tocar! Desta vez, era a solidariedade institucional a funcionar. “Acabei de ver o telejornal. O que é que precisas? Queres que te empreste o que temos a mais no nosso Hospital?”. Agradeci a solidariedade habitual entre hospitais, ainda mais visível neste período de pandemia. Luvas e máscaras nunca estiveram em falta mas as quantidades existentes poderiam não ser suficientes e os fornecedores não estavam a cumprir as entregas acordadas. O problema dos sindicalistas não era de facto as luvas em falta, mas sim o pretexto para criticar a obra do parque de estacionamento que estava no seu início. Quando não há cão, caça-se com gato…

Estes episódios vieram relembrar-me a importância da comunição nos hospitais, e do papel cada vez mais visível da comunicação social e das redes sociais na nossa vida diária e nas implicações que as mesmas têm no seio das nossas organizações. É fundamental estarmos preparados para, em qualquer altura, seja em períodos de crise ou não, lidarmos de forma assertiva com os media e as redes sociais. 

A pandemia causada pelo novo Coronavírus veio trazer para a ribalta, entre outros atores, as redes sociais, a comunicação social e os seus jornalistas e, como não poderia deixar de ser: o Serviço Nacional de Saúde.

O papel da comunicação social é, na situação de crise em que vivemos, de um valor inestimável e um contributo importante para olharmos o futuro com esperança mas, ao mesmo tempo, com redobrada atenção para tudo quanto nos questionam e a forma como transmitimos a mensagem.

Temos assistido, nos dias desta pandemia, nos órgãos de comunicação social, a grandes exemplos de profissionalismo. Empenhados na divulgação e transmissão de informação idónea.

Mas também temos assistido, e com alguma perplexidade, a alguns devaneios jornalísticos, a informação pouco rigorosa, pondo-se em causa a idoneidade de alguns dirigentes do SNS. A recente entrevista da Ministra da Saúde, em horário nobre de uma estação de televisão, é um bom exemplo em que o entrevistador pretendeu ser o protagonista.

O Serviço Nacional de Saúde tem respondido com rigor e transparência na comunicação e informação que vem transmitindo, realizando conferências de imprensa diariamente, divulgando os dados relativos à situação da pandemia nas plataformas informáticas e respondendo com grande objetividade às perguntas que lhe são colocadas pelos jornalistas.

As redes sociais são, simultaneamente, uma fonte complexa de interações para as quais nos deveremos preparar enquanto gestores hospitalares. Pelo que vem a propósito a reflexão que fiz acerca das recentes mensagens que fui recebendo em tempos de pandemia e que, para lá do tempo de lazer que não tive, me criaram motivos de preocupação crescente e de alerta quanto ao futuro.

Fiquei a saber, que com base em estudos e opiniões de grandes figuras da medicina mundial e alguns estudiosos na matéria, a origem deste novo Coronavírus seria obra de manipulação genética e que as autoridades chinesas não o queriam admitir. O que era contrariado noutra mensagem que me remeteram, tendo por base a National Geographic, segundo a qual o Coronavírus não foi criado em laboratório.

Também fiquei informada, no início da pandemia, que segundo os médicos italianos as autópsias entretanto efetuadas teriam demonstrado que não era uma pneumonia mas sim uma coagulação intravascular disseminada e a forma de o combater seria com antibióticos, anti-inflamatórios e anticoagulantes e que ventiladores e unidades de cuidados intensivos não seriam necessários para estes casos.

Não sendo a medicina e os estudos científicos nesta área a minha especialidade, o que poderei dizer acerca destes breves exemplos é que, a não existirem controlos sobre este tipo de divulgação e a forma aparentemente “inocente” como os mesmos são transmitidos, estamos muito pouco protegidos caso não tenhamos capacidade crítica que nos permitam filtrar tudo isso. Estamos cada vez mais expostos e a imagem positiva das nossas Instituições e dos nossos profissionais que agora foram publicamente enaltecidos e reconhecidos, muito rapidamente poderão deixar de o ser.

Com a evolução sanitária e o fim do estado de emergência, é evidente a necessidade de comunicar com a população que servimos alertando-a para o que estamos a fazer e para o que iremos fazer.

No regresso à normalidade nada será como dantes. As consultas e as cirurgias terão, paulatinamente, de ser retomadas. Com a definição clara de prioridades. De quando e como o iremos fazer. Os nossos utentes terão de estar informados e não devemos aguardar que nos contactem: temos de dar o primeiro passo, assumindo neste contexto o papel importante da comunicação interna e externa do hospital. Informação concisa e transparente.

A comunicação social poderá ser um excelente parceiro na divulgação da nossa mensagem e um palco privilegiado de rápida divulgação. Mas teremos de estar conscientes dos riscos que poderemos correr caso não façamos as coisas certas. Não improvisando quando nos questionam e não temos a resposta adequada ou não tenhamos dados que nos permitam responder. Rectificando, sempre que necessário, qualquer engano ou mau esclarecimento. Diferindo para outra altura, para outra informação ou entrevista os esclarecimentos pretendidos. Esta é, objetivamente, a postura que a gestão hospitalar terá de ter em situações de crise e de gestão normal perante a comunicação social. Os jornalistas não gostam que se lhes minta, estarão sempre atentos nas falhas que possamos vir a ter, e eles não esquecem!

Por tudo isto, o reforço na imagem e comunicação das Instituições de Saúde é algo para o qual deveremos estar atentos e empenhados. Não será um custo para o orçamento do hospital mas um investimento necessário para transmitir aos nossos utentes tudo quanto fazemos, como o fazemos e quanto privilegiamos as suas opiniões e críticas.

Muito provavelmente, os planos de contingência que tínhamos elaborado nunca foram, como agora, postos a prova tão exigente. Mas é bom que se diga, nunca antes foi possível contornar a burocracia legalista que tantos constrangimentos têm criado à gestão diária dos Hospitais e nos permitiu nesta altura estarmos equipados com os recursos humanos e materiais que o controlo da situação exigia.

Este novo Coronavírus não nos irá abandonar de imediato, não tenhamos a menor dúvida. Poderemos vencer esta e outras batalhas no futuro se formos organizados, solidários e disponíveis para tratar todos quantos nos batem à porta com a mesma determinação com que agora o fazemos.

O SNS não voltará a ser o mesmo após esta pandemia. A perceção que a população tem do nosso trabalho mudou substancialmente e de uma forma positiva. Pelo menos por agora!

Santarém, 10 de maio de 2020