UMA NARRATIVA INSULAR DA PANDEMIA COVID19

Uma Narrativa Insular da Pandemia COVID19
em 2020-05-25 Ano: 2020
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Autor(es)

Ana Clara Silva 

Adjunta do Gabinete do Vice-presidente do Governo Regional da Madeira 

Vice-presidência do Governo Regional da Madeira


A Ilha da Madeira é considerada o melhor destino turístico insular do mundo, desde 2015, e, destaca-se pelas suas Festas de Natal e Fim de Ano, que se prolongam até ao dia de Santo Amaro (15 de janeiro) em que o varrer dos armários é o ponto alto dessa festividade, possibilitando a última ronda sobre os bolos de mel, as broas e os licores. Neste contexto festivo, o Comunicado da DGS, C160_01_v2 de 14/01/2020, sobre o surto de doença respiratória na Cidade de Wuhan – China, passou despercebido à maioria. 

As notícias acerca do novo coronavírus foram aumentando, em número e emoção, incluindo aquelas que não passaram no polígrafo, e, os comunicados formais das autoridades, nacionais e internacionais, ganharam uma cadência diária. 

O problema de saúde pública ganhou dimensão à escala global e, à escala regional, através do Departamento do Governo Regional, com competência na área da saúde, a Secretaria Regional da Saúde e Proteção Civil, definiu as estruturas de comando e controlo e os instrumentos necessários de apoio à condução das operações de preparação e resposta à emergência que se avizinhava. 

Neste processo inicial, o foco foi reunir toda a informação disponível e integrar em normas e orientações, os procedimentos tidos como adequados para abordar os casos suspeitos do novo Coronavírus (2019-nCov) e a sua gestão na comunidade. A estrutura do Plano de Contingência prevê ainda os procedimentos e métodos de diagnóstico laboratorial e tratamento e o esquema de vigilância epidemiológica. 

É nesse sentido que, em 3 de fevereiro, foi apresentado publicamente o Plano de Contingência para Infeções Emergentes- COVID 19. Inerente à operacionalização deste Plano, foi definido um plano de formação extenso que cobriu o sector da saúde, bem como todas as autoridades aeroportuárias e portuárias, todo o dispositivo de socorro e proteção civil e vários sectores de atividade pública e privada, designadamente transportes, educação e hotelaria.

É também no contexto da definição do Plano de Contingência que os procedimentos do Grupo Local PPCIRA do Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira, E.P. E (SESARAM, E.P. E) são revisitados, a data de 28 de janeiro fica assinalada como a data antecipada de revisão, de um procedimento que ganhou fama, o procedimento 36, atualizado desde então, e até ao presente momento, por 6 vezes. 

A vontade e o empenho, determinaram um Plano marcado pela antecipação e ambição de estar à frente da chegada da infeção à Madeira. 

Por isso, quando em 11 de março, a OMS declarou que a COVID19 escalou para um nível pandémico, o Governo Regional da Madeira, por via do Conselho de Governo, comunicou um conjunto de Medidas de Recomendação Contingência e Resposta para Apoiar Cidadãos e Empresas da Região. 

Em 13 de março é mediante o Despacho n.º 100/2020, do Secretário Regional da Saúde e Proteção Civil, declarada a Situação de Alerta em todo o território da RAM, com efeitos imediatos, por 30 dias e através da Resolução n.º 100/2020, publicada no JORAM, I Série, Número 46, foram determinadas medidas temporárias e excecionais para responder aos novos cenários decorrentes da pandemia relacionada com a doença infeciosa provocada e para garantir a segurança e o bem-estar da população. Este esforço coletivo e atempado do Governo Regional da Madeira é a demonstração de como foi possível colocar a saúde em todas as politicas, conscientes de que aquilo que se pedia à população, apelando à sua máxima colaboração, transmitindo que o processo de confinamento era um dever para com todos e para com o Serviço Regional de Saúde, exigia que a população sentisse igualmente apoio e segurança ao nível económico e social. 

A escalada do estado de alerta ao estado de emergência, passou por sermos capazes de, além das medidas de contenção alargada implementadas, delinear medidas de supressão designadamente para o sector da administração pública regional, suprimindo atividades, incluindo as atividades escolares e criando alternativas de manter a máquina administrativa a funcionar e ao serviço da população. 

Desenvolvemos num curto espaço de tempo balcões virtuais e uma panóplia de serviços eletrónicos e linhas de apoio, nomeadamente para os grupos mais vulneráveis como as crianças e as pessoas idosas. 

A dimensão arquipelágica, às tantas falou alto, solicitamos o encerramento das portas de entrada que se embaraçou nas competências do governo próprio, pelo que habituados às adversidades insulares e ultraperiféricas não desistimos perante o impedimento de fechar o aeroporto, deitou-se mão, em alternativa, às quarentenas de pessoas e bagagens à entrada da Região Autónoma. 

E eis que, no famigerado dia 17 de março, confirmou-se o primeiro caso de infeção pelo SARS-CoV2, numa turista holandesa. Aparatos à parte, procedeu-se conforme os critérios definidos e foram identificados os contactos e os procedimentos de vigilância ativa e passiva desencadeados. 

Desde então, somamos 90 casos confirmados de COVID 19, o último dos quais confirmado em 07/05/2020. 

Neste universo de casos confirmados, apenas 4 doentes estiveram hospitalizados, apenas 1 esteve internado em Unidade de Cuidados Intensivos e não se registou nenhum óbito. É caso para dizer, parafraseando a Autoridade de Saúde do Concelho do Funchal, que deixamos o vírus à porta do hospital.

Também o deixamos à porta das Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas e Unidades da Rede Regional de Cuidados Continuados, nos quais não foi detetado qualquer caso de COVID19. Os testes, realizados aos 2.732 colaboradores e utentes dos 34 estabelecimentos identificados na Rede Social e na rede Cuidados Continuados Integrados, foram todos negativos. 

E como é que foi possível este trabalho de controlo de surto? Devido ao dispositivo de Saúde Pública montado, que sobreviveu a várias medidas reformistas do passado, em que, a escassez de recursos de saúde pública, foi suplantada por manter uma autoridade de saúde de base concelhia, e no mínimo um adjunto da autoridade de saúde e pelo menos um enfermeiro de saúde comunitária. 

Foi através deste dispositivo de saúde pública que foi possível assegurar a investigação epidemiológica de todos os casos suspeitos e confirmados de COVID19 e a sua vigilância ativa, a monitorização da epidemia e a vigilância ativa dos passageiros com entrada na Região Autónoma da Madeira, sujeitos a quarentena no domicílio ou em unidades hoteleiras. 

Até ao presente, o objetivo foi alcançado, manter mínimos de infeção e ganhar tempo para aprender e preparar o Serviço Regional de Saúde, cuja Unidade de Internamento Polivalente COVID 19 do hospital Dr. Nélio Mendonça, inaugurada em 27/04/2020, é um exemplo. 

A 17 de abril, iniciamos uma ação de sensibilização para o uso da máscara social ou comunitária, que incluiu distribuição das mesmas, como materialização pedagógica da recomendação, desde então, as máscaras evoluíram como adereço e, atualmente, a cidade do Funchal tem um colorido extra de máscaras em bordado madeira, em tecido riscado como traje regional ou mesmo com a insígnia bandeira autonómica. 

O uso da máscara e as suas variantes, em conformidade com o nível 3 (Informação DGS, N.º 009/2020 de 13/04/2020), é mais uma demonstração da capacidade de adaptação das gentes insulares e do respeito pela terra e pelo outro, que a experiência pandémica afilou.

Na primeira semana de maio, iniciamos o plano de desconfinamento, num estado de alma ambivalente, seguros e ávidos, inseguros e receosos, avançamos com as métricas de conforto, como sejam uma taxa de positividade de 2%, medida a 7/05 /2020, igualando a Nova Zelândia, a Austrália ou a Coreia do Sul e uma proporção de testes positivos face ao total de testes realizados de 3% (07/05/2020) situando-se no intervalo que consta das recomendações emanadas pela Comissão Europeia para o desconfinamento. 

Chegados até aqui, há que preparar o futuro. O caminho a percorrer é longo e a imprevisibilidade grande, a baixa taxa de infeção registada nesta primeira onda pode ser uma adversidade numa próxima vaga de COVID19, mas estamos certos de que a resiliência que nos distingue como povo ilhéu e a esperança nas pessoas que viajam para a Madeira, marcarão o tempo vindoiro que queremos e do qual não podemos prescindir, onde a hospitalidade madeirense ficará ligada a uma marca de qualidade no receber e à segurança de quem nos visita.

Funchal, 24 de maio de 2020