COVID COM INTENSIDADE NO TÂMEGA E SOUSA

COVID COM INTENSIDADE NO TÂMEGA E SOUSA
em 2020-05-29 Ano: 2020
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Autor(es)

Carlos Alberto

Presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa 

(Sócio Institucional da APDH)


Ter vivido as últimas semanas no Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa foi um desafio enorme que entrou num mundo de incerteza, angústia e receio por estarmos em presença de algo nunca experienciado e que, por esse motivo, não oferecia muitas alternativas de ajuda.

Somos um Centro Hospitalar que tem das maiores cargas assistenciais em referenciação direta em Portugal (incumbência de tratar mais de 5% da população portuguesa, 520.000 pessoas em 12 Concelhos de 4 Distritos) e que é constituído pelos Hospitais Padre Américo em Penafiel e S. Gonçalo em Amarante.

Depois das notícias que no início do ano nos começaram a chegar sobre o COVID19 vindas da China, fomos todos assolados por grandes receios, embora a distância geográfica ainda nos deixasse naquela indecisão sobre o que seria melhor fazer para preparar a resposta a um eventual aparecimento de surto semelhante na nossa zona.

Mas, logo de seguida, começamos todos a ser inundados de notícias e imagens aterradoras vindas de Itália e aí todas as campainhas começaram a tocar intensamente na necessidade de agir depressa, de modo a preparar o combate ao inimigo desconhecido e invisível que se aproximava e que muito provavelmente nos iria bater à porta.

Apesar da nossa enorme responsabilidade assistencial, o CHTS não possui os recursos humanos, em quantidade e em diferenciação, ao nível dos grandes hospitais centrais, pelo que foi necessário preparar o combate com o potencial humano que tínhamos à disposição. A título de exemplo, refira-se que numa especialidade como Infeciologia (que todos perceberam bem a importância ao longo deste período), o CHTS há cerca de 2 anos não tinha um único especialista. Hoje já tem 2, mas claramente insuficientes para um hospital desta dimensão.

Tivemos então que fazer apelo aos profissionais do nosso quadro e centrar muito o combate em redor de duas especialidades médicas (Medicina Interna e Anestesiologia) porque eram as que possuíam maior preparação técnica e de experiência para integrar a linha da frente deste desafio. Obviamente que as outras especialidades também estiveram muito ativas na resposta que era necessário dar, numa complementaridade, disponibilidade e solidariedade que foi contagiante. O mesmo se diga dos profissionais dos outros grupos, enfermeiros, técnicos de diagnóstico, assistentes operacionais, assistentes técnicos, etc.

Que bom seria que este ambiente de solidariedade geral se prolongasse para além desta fase mais difícil e que passasse a fazer parte de uma forma de convivência mais sadia, mais positiva e mais humana.

Ao mesmo tempo tivemos também que realinhar processos de trabalho e reformular as instalações físicas, para fazer face às novas necessidades e ultrapassar as limitações estruturais que o nosso Centro Hospitalar já vai denotando por força da já referida enorme população que temos de atender. Desde a montagem de estrutura exterior de apoio com 600m2 até à enorme alteração ocorrida nos diversos pisos e espaços do hospital, foi feito de tudo um pouco, a um ritmo vertiginoso, para garantir que faríamos o melhor possível para uma boa assistência aos nossos utentes.

Porque não havia muito onde pudéssemos ir buscar experiência sobre o tema, fomos assumindo alguns riscos, ponderando o que seria a melhor opção em cada momento, e tentando ganhar a confiança crescente dos nossos profissionais.

Para acrescentar adrenalina ao momento, vimos o primeiro caso positivo detetado em Portugal, ser diagnosticado a um cidadão que, no seu merecido período de férias particulares, contraiu a infeção em Itália e foi internado num hospital do Porto. Curiosidade: era médico do nosso hospital.

Fácil de imaginar as imensas perguntas, inquietações, medos e incertezas que fizeram parte das conversas daquele dia porque afinal o inimigo existia e não andava muito longe.

Mas tudo isto era ainda pouco porque os casos que começaram a surgir nos dias seguintes com mais intensidade também estavam na nossa grande área de influência, nomeadamente em Felgueiras e Lousada. O cenário não era nada animador.

Com o sentido de abnegação que caracteriza os nossos profissionais e com o sentido de missão que vem mais facilmente acima nestas alturas de adversidade, ninguém se furtou ao dever de ajudar quem precisa e entre sorrisos, choros, inquietações, dúvidas, alegrias, quebras de ânimo e novos levantamentos, podemos dizer que o resultado conseguido foi francamente positivo quando comparado com o cenário que antecipávamos naqueles primeiros dias.

Tivemos necessidade de alterar coisas nos nossos métodos de trabalho que já deveríamos ter mudado, mas que a inércia não nos tinha ainda permitido fazer. E coisas tão simples como distribuir telemóveis e tablets pelos serviços de internamento para suprimir a dificuldade de contacto dos doentes com os seus familiares, uma vez que as visitas estavam proibidas neste tempo de pandemia.

 Duma dificuldade conseguimos criar uma situação em que se passou a proporcionar visitas “virtuais”, por videochamada e até familiares e amigos emigrados no estrangeiro passaram a estar mais próximos. Foi possível assistir a vários episódios emocionantes neste domínio e que já deveríamos ter sabido disponibilizar mesmo antes do COVID.

Um outro aspeto absolutamente notável que foi possível vivenciar neste período foi a tremenda diversidade de ações solidárias que tivemos por parte da sociedade civil, nas suas mais diversas vertentes: Comunidade Intermunicipal, Câmaras Municipais, Juntas de Freguesia, paróquias, empresas, grupos de pessoas anónimas, pessoas individuais, coletividades, Liga de Amigos, etc. Os apoios foram do mais diversificado possível: donativos em dinheiro, oferta de equipamentos, oferta de materiais de proteção individual, eventos solidários de angariação de fundos, corridas digitais, etc.

Sentimos que houve neste período uma grande aproximação da comunidade ao Centro Hospitalar e aos seus profissionais e esse fator motivacional de apoio e reconhecimento fez minorar os efeitos do enorme prejuízo na vida pessoal de muitos dos que tiveram que estar presentes para que nada faltasse a quem acorria ao nosso auxílio.

Datas festivas e marcantes que não puderam ser celebradas do modo a que sempre fomos habituados a celebrar, como a Páscoa ou o Dia da Mãe, deixaram certamente recordações que dificilmente serão esquecidas e que todos desejarão que não se venham a repetir.

Como mensagem final gostaria de deixar o reforço do apreço pelo trabalho desenvolvido e pelo sentido de missão manifestado por todos, deixando o apelo a que todos possamos ter aprendido, nestes tempos adversos, a importância muitas vezes esquecida da humanização, dos afetos e do Amor. E que sejamos capazes de crescer como povo, com gestos continuados de solidariedade e apoio, porque os tempos que se avizinham trarão muitas dificuldades económicas e sociais coletivas, que somente seremos capazes de ultrapassar sem deixar ninguém para trás, coletivamente.

Penafiel, 20 de maio de 2020