A mudança necessária
Autor(es)
Rosa Valente de Matos
Presidente do Conselho de Administração do
Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central
(Sócio Institucional da APDH)
A pandemia despertou o Mundo para uma realidade nunca antes experienciada. Mudou paradigmas, alterou comportamentos e em Portugal, a resposta da sociedade foi única, exemplar, solidária e compreensiva. Fechamos as portas de casa e das nossas vidas sociais. Cumprimos as normas.
Trabalho de equipa, diálogo, planeamento, adaptação e aprendizagem. É, a partir destes cinco eixos, que caracterizo estes últimos três meses. Três meses de muito trabalho e dedicação das várias entidades de saúde, dos hospitais e em concreto no Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central (CHULC).
As nossas prioridades iniciais, enquanto administradores de um centro com seis hospitais, alguns deles de referência para a Covid-19, foram, acima de tudo, tratar e proteger. Proteger os profissionais e os doentes e organizar a resposta emergente à pandemia, numa lógica dupla de segurança e confiança. Garantindo, ao mesmo tempo, a assistência aos restantes doentes urgentes e muito urgentes.
Em constante diálogo com as equipas e unidades, definiram-se procedimentos, desenharam-se circuitos concretos, criaram-se fluxogramas e normas de atuação e afetação dos espaços (urgências, blocos, enfermarias, salas de espera), reinstalaram-se serviços e criaram-se regras de utilização dos equipamentos de proteção individual.
As equipas mobilizaram-se, dedicaram-se e capacitaram-se, a partir das experiências partilhadas. As unidades de apoio técnico apostaram no teletrabalho e no desfasamento de horários.
Em paralelo, e para maior conforto dos nossos profissionais, criaram-se duas linhas de apoio: uma técnica e outra psicológica. As dúvidas técnicas sobre processos, as normas de implementação das orientações das autoridades e os anseios de quem está na linha da frente têm sempre uma resposta.
A nível estratégico, trabalhamos em rede e em proximidade com o doente, através das farmácias da comunidade e em articulação com os cuidados de saúde primários. Acompanhamos também os doentes infetados, a recuperar em casa, através de consultas médicas, de enfermagem, psicologia e nutrição.
Comunicamos para dentro – numa lógica de transparência e de reconhecimento do profissionalismo de todos –, e comunicamos para fora – como forma de valorizar a nossa diferenciação técnica e capacidade de resposta.
Na base deste percurso, esteve a definição de um plano global de contingência do CHULC, nivelado e em constante avaliação, coerente com os planos setoriais. Destas medidas, realço, em concreto, a definição de planos de crescimento para a especialidade de Medicina Intensiva, a manutenção do Hospital de Santa Marta como unidade sem casos Covid-19, para tratamento de outros doentes em segurança, e a promoção dos modelos de teleconsulta, sempre que aplicável.
O fim do confinamento, coloca novos desafios num exercício complexo de regresso à normalidade, em paralelo com a luta que ainda travamos contra a pandemia.
O retorno deve ser estruturado e faseado. Neste momento de retoma progressiva das atividades que foram suspensas ou reduzidas durante o período em que vigorou o estado de emergência, a missão dos hospitais é assegurar a manutenção da capacidade de resposta aos doentes afetados pela Covid-19, a segurança dos profissionais de saúde e o tratamento dos doentes com outras patologias. Em simultâneo, é também urgente devolver a confiança nos serviços de saúde, uma vez que, no início da pandemia, assistimos a uma quebra acentuada da procura dos hospitais por insegurança dos utentes.
Este período é também uma oportunidade de reorganizar os serviços, dando mais autonomia e responsabilidade aos profissionais de saúde, através dos Centros de Responsabilidade Integrados. O processo permitirá aumentar a produtividade dos serviços, tornando-os mais flexíveis, adaptados e eficientes, reforçando o trabalho em equipa e a orientação clara aos objetivos definidos.
Enquanto administradora hospitalar e Presidente do Conselho de Administração do CHULC, admito que este tem sido um dos maiores desafios da minha carreira profissional. Desde o primeiro dia, do primeiro momento, que tenho um enorme orgulho no trabalho que todos em conjunto realizamos e na forma rápida como nos conseguimos reinventar, garantindo sempre a qualidade dos nossos serviços.
A definição de uma estratégia inicial, comunicar de forma clara e eficaz essa mesma estratégia, implementá-la envolvendo as equipas, partilhando experiências e de forma articulada entre setores é a chave para o sucesso da gestão em momentos de crise.
Lisboa, 25 de maio de 2020