ESTRATÉGIAS PRECISAM-SE!

ESTRATÉGIAS PRECISAM-SE!
em 2020-04-27 Ano: 2020
Crónicas de uma pandemia.png
Autor(es)

Maria Inês Espírito Santo

Assistente Social CHULC
Profª Auxiliar Convidada ISCTE-IUL
Mediadora Familiar no Sistema de Mediação Familiar do Ministério da Justiça



Vivemos tempos inesperados e atípicos, quase próximos de uma distopia.

A verdade é que, dificilmente a sociedade e as Organizações voltarão a ser o que eram. Não tenho dúvidas que superaremos esta provação. Acredito no potencial da nossa sociedade como um todo, e nos profissionais da/de saúde como parte, uma parte essencial. Certamente que iremos olhar para esta CRISE como uma OPORTUNIDADE de mudança e de crescimento e citando Albert Einstein “é na crise que nascem os inventos, os descobrimentos e as suas grandes estratégias”. Esperemos que assim seja!

Numa altura tão delicada da nossa existência enquanto sociedade, os Cuidados Sociais não podem, nem vão fazer quarentena!

De um momento para o outro vimo-nos obrigados (as) a tomar uma série de cautelas que viraram os nossos dias do avesso e alteraram todas as rotinas pessoais, familiares e profissionais.

 A pandemia COVID-19 tem e terá um impacto devastador na estrutura económica e social da nossa sociedade. Todos estamos em perigo e perante uma crise que se afigura ainda mais avassaladora para os cidadãos mais vulneráveis e mais desprotegidos: as pessoas com patologia crónica e ou que apresentam fatores de risco, as pessoas idosas, (recorde-se que Portugal tem uma população idosa superior à média europeia e bastante superior à da China), mas também para aqueles que agora se veem a braços com situações de desamparo como é o desemprego e a precaridade dos vínculos laborais. 
Arrastados para uma espiral de resposta a uma crise sem precedentes e para a qual não estávamos preparados exigiu e exige de nós uma constante (re) adaptação. Hospitais, o epicentro dos cuidados de saúde, por excelência exigem agora aos seus profissionais o esforço acrescido da reorganização face ao inesperado ao mesmo tempo que se garantem rotinas. O equilíbrio instável entre garantir cuidados a doentes COVID e não COVID.

Mesmo antes da Pandemia, os assistentes sociais nos hospitais, e na saúde em geral já viviam a dualidade de terem um papel preponderante, e ao mesmo tempo de alguma invisibilidade perante outras profissões reconhecidamente “de saúde”, como são médicos e enfermeiros. Esta invisibilidade de uma profissão essencial, é particularmente sentida no desenvolvimento e planeamento de alta, de forma a perspetivar positivamente a transformação e continuidade dos cuidados em segurança e qualidade sempre em articulação com a rede informal e formal. Quando este planeamento não corre como esperado, e agora mais que nunca com a pressão sobre as altas para libertar camas para COVID +, o Serviço Social passa a centro das atenções, das críticas e sujeito a uma pressão incrível de uma alta que em nenhum momento dependente apenas de si, mas de uma ampla rede de cuidados. Escolhi uma profissão que tem como premissa a ciência e a arte do cuidar holístico. É uma expressão perfeita para compreender o nosso compromisso na representação e defesa dos direitos e interesses da pessoa no seu envolvimento, na promoção da literacia, da capacitação e do empoderamento, que garanta o seu bem-estar.

Na espuma dos nossos dias continuamos a tratar todos os nossos doentes com internamentos urgentes a assegurando que a alta aconteça, mas acima de tudo que se efetive em segurança. Tendo sempre como premissa, não descurada, a participação e a tomada de decisão em saúde da pessoa doente e família.

Tudo continua. Andamos todos com máscaras. Readaptamos a nossa intervenção, substituindo a proximidade presencial com a família, com a rede informal pelos contactos telefónicos, emails, ou pelos fiéis CTT. A dimensão da mediação, agigantou-se, seja no contexto de relação das equipas multidisciplinares, seja com os doente e famílias reduzindo a ansiedade do isolamento daqueles que permanecem internados e agora mais suscetíveis que nunca e a justa preocupação das famílias que os seguem com o distanciamento que lhes/nos é imposto. Há, porém, um grande reconhecimento das famílias nesta proximidade que parece ter aproximado mais este nós e eles, entre pessoa com doença e profissional que cuida, aquilo a que chamamos tantas vezes e vemos tão poucas é agora mais sentido. As famílias sentem um misto de emoções, estão mais solidárias, com mais disponibilidade para cuidar do seu familiar doente, mas mais receosas face ao desconhecido. Sentem que precisam de mais apoio na comunidade por parte das autoridades de saúde, sector social e ou do poder local. Seria interessante refletirmos porque é que agora se sente mais a “humanização dos cuidados”, mas deixamos para uma próxima crónica.

A pandemia veio pôr a nu fragilidades do verbo cuidar, chamemos-lhe, cuidados desfragmentados.

Tem sido notório e louvável o trabalho conjunto e concertado, porém este tem sido claramente orientado para a população autónoma. Sabendo que a população +65 se encontra mais exposta ao vírus, e que a isso se somam comorbilidades e/ou funcionalidades comprometidas, quais as propostas concretas para estas pessoas? E quando a isso se juntam famílias sem capacidade de cuidar? E instituições sociais que não as recebem e ou o timing de resposta não se compadece com os tempos pandémicos em que vivemos? Tempos não compatíveis com os dos Hospitais e dos tempos de Bem-estar da pessoa. Antes, agora - e depois da Crise? Os profissionais de Serviço Social não podem deixar de pôr o dedo nesta ferida, apesar da sua intervenção profissional ser, erroneamente, conotada apenas com “os pobres”, aqueles que estão à margem ou na margem. Mas não há nada mais errado nesse olhar uma vez que o Serviço Social é uma profissão norteada pelos direitos humanos, e estes podem não estar garantidos para vários cidadãos e cidadãs independentemente da sua posição na pirâmide social. A pandemia forçou o emergir de outras vulnerabilidades, as nossas vulnerabilidades enquanto cidadão. 

Qualquer um de nós que tenha passado por um processo de doença sentiu alguma fragilidade, e é nessa fragilidade que é de todos onde o Serviço Social também atua, resultado da sua visão mais holística da pessoa.

O Serviço Social não se (com)centra apenas do resultado do diagnóstico clínico, mas também nas dimensões do individuo, ou seja, na preponderância que os determinantes sociais da saúde têm sobre a pessoa. Assim, um COVID positivo para uma/um assistente social é muito mais que um diagnóstico clínico, é também a sua tradução social, ou seja, o impacto das possíveis limitações funcionais e/ou cognitivas, a situação socioeconómica, familiar e profissional, são os receios, as expectativas ou as crenças e consequentemente a garantia dos direitos e respostas sociais.

Acredito que “a interface entre Serviço Social e os Sistemas (social e Saúde) é fortemente mediada pela ética enquanto voz daquilo que a sociedade pode e deve esperar de nós e de como esta área pode e deve ser o garante dos direitos das pessoas.

Daí a urgência do diálogo interdisciplinar e intersectorial. Um diálogo que integre e amplie a participação do Serviço Social traduz-se em ganhos para a saúde, enquanto sistema, o que será consequentemente um ganho para a pessoa com doença e para todos/as enquanto sociedade.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                        Lisboa, 26 de abril de 2020