No silêncio nasce a esperança!
Autor(es)
Domingos Nascimento
Presidente da Direção do Aldeias Humanitar
Uma tarde de
março, de tempo meteorológico cinzento.
Em
Sernancelhe. Interior de Portugal. Na sede do Aldeias Humanitar.
A Presidente
do Conselho Técnico e Científico, Enfermeira Helena Norinha, abriu a reunião
com a proposta de se mudar radicalmente o modelo de intervenção do Aldeias Humanitar.
Era fundamental salvaguardar a segurança sanitária das pessoas que apoiávamos. Não poderíamos ser problema. Queríamos continuar a ser solução segura.
Como apoiar as pessoas salvaguardando a sua segurança e não
as abandonar?
O modelo conceptual Humanitar já previa a intervenção em
situações de catástrofe e emergência. Não se imaginava com estas
características. Mas teria que ser ajustado rapidamente.
Nesta reunião, logo ali, também com a Enfermeira Joana
Silva, a diretora técnica do Aldeias Humanitar, e a Assistente Social, Joana
Rocha, iniciou-se um radical plano de contingência e a estruturação de
procedimentos de segurança COVID-19.
Alguns dos
técnicos teriam que deixar de participar na intervenção, pois colaboravam
noutras estruturas de saúde.
Deveríamos
levar para casa das pessoas o menor número de técnicos possível.
Teríamos que
ir completamente protegidos e proteger.
Deveríamos
cancelar as primeiras visitas de avaliação.
Teríamos que
adiar o início da intervenção em Tabuaço.
Tudo propostas complexas e contraditórias face aos grandes
propósitos do Aldeias Humanitar.
Mas tinha e devia ser assim!
Três dias depois anunciávamos publicamente o plano de
contingência e o novo modelo de intervenção, a saber:
Intervenção Humanitar de Cuidados Complementares em Casa,
protocolo simplificado. Reduzindo-se o tempo e o número de técnicos.
Limitando-se a visita às pessoas que apoiamos praticamente à enfermagem.
Intervenção SOS, com a atuação junto das pessoas
vulneráveis, com cuidados de saúde complementares e amparo social. Fazendo
pontes com a equipa de saúde familiar, distribuição de medicamentos
hospitalares. E, até alimentos.
Disponibilização da Linha Humanitar, nestes curtos dias
sistematizada e operacionalizada com técnicos. Linha esta que rapidamente
passou a ser usada também por pessoas de fora dos concelhos de atuação,
Sernancelhe, Penedono e Tabuaço.
Entretanto, com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian,
preparamo-nos para passar a apoiar mais 5 concelhos do Douro Sul, passando a um
total de 8. Ou sejam, Lamego, Tarouca, Moimenta da Beira, Sernancelhe,
Penedono, S. João da Pesqueira, Tabuaço e Armamar. Cerca de 75.000 habitantes.
Havia algum tempo que trabalhávamos um protocolo de parceria
com a Guarda Nacional Republicana. O objetivo era aproveitar a dinâmica de
apoio aos idosos que muito bem a GNR já concretizava, unindo-a com o modelo de
intervenção do Aldeias Humanitar.
Na onda, forte e inesperada, da crise sanitária, eis que
surge a ideia de antecipar a relação que estava em construção e levar para o
terreno um modelo de intervenção conjunto, GNR | Aldeias Humanitar.
Iniciou-se deste modo a Missão Humanitar Douro Sul SOS
COVID-19, sem grandes formalismos iniciais. O que importava era mitigar os
impactos desta desorganização sanitária, social e económica das pessoas.
Passado este tempo, a formalização da parceria já aconteceu
e a Missão GNR / Aldeias Humanitar percorre uma região imensa, de baixa de
densidade populacional, com pessoas a viverem de forma dispersa, isolada e
vulnerável
Com a missão no terreno, já de forma muita bem organizada,
fica a certeza de indescritível valia pela recetividade das pessoas a estas
equipas conjuntas.
À segurança, o respeito e a confiança que a GNR representa,
junta-se a proximidade dos cuidados e a humanização da saúde concretizada pelo
Aldeias Humanitar.
Nasce, neste silêncio de agitação interior, uma esperança
que faz diferença relevante no corpo e na alma destas pessoas lindas deste
território.
Nasce um novo modelo de humanização no interior de Portugal
- Security & Healthcare.
No silêncio do confinamento físico e de inquietação mental,
em poucos dias mudaram-se rotinas, rasgaram-se as certezas, demoliram-se
barreiras com apenas um sopro, e, também em silêncio, fez-se futuro!
Podemos
todos, desafio todos, a ousarmos demolir muros que tolhem os movimentos, com o
sopro maior - o do amor! Do amor próprio, ao próximo e à humanidade!
E, no silêncio, mesmo que de inquietação, deixarmos florir a esperança!
A esperança está na capacidade de mudar, na construção de
uma rede de intervenção que realmente integre a saúde e todas as dinâmicas de
proteção da pessoa humana e das comunidades.
Douro Sul, 21 de junho de 2020