NO SILÊNCIO NASCE A ESPERANÇA!

No silêncio nasce a esperança!
em 2020-06-29 Ano: 2020
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Autor(es)

Domingos Nascimento

Presidente da Direção do Aldeias Humanitar

Uma tarde de março, de tempo meteorológico cinzento.

Em Sernancelhe. Interior de Portugal. Na sede do Aldeias Humanitar.

A Presidente do Conselho Técnico e Científico, Enfermeira Helena Norinha, abriu a reunião com a proposta de se mudar radicalmente o modelo de intervenção do Aldeias Humanitar.

Era fundamental salvaguardar a segurança sanitária das pessoas que apoiávamos. Não poderíamos ser problema. Queríamos continuar a ser solução segura.

 

Como apoiar as pessoas salvaguardando a sua segurança e não as abandonar?

O modelo conceptual Humanitar já previa a intervenção em situações de catástrofe e emergência. Não se imaginava com estas características. Mas teria que ser ajustado rapidamente.

Nesta reunião, logo ali, também com a Enfermeira Joana Silva, a diretora técnica do Aldeias Humanitar, e a Assistente Social, Joana Rocha, iniciou-se um radical plano de contingência e a estruturação de procedimentos de segurança COVID-19.

Alguns dos técnicos teriam que deixar de participar na intervenção, pois colaboravam noutras estruturas de saúde.

Deveríamos levar para casa das pessoas o menor número de técnicos possível.

Teríamos que ir completamente protegidos e proteger.

Deveríamos cancelar as primeiras visitas de avaliação.

Teríamos que adiar o início da intervenção em Tabuaço.

 

Tudo propostas complexas e contraditórias face aos grandes propósitos do Aldeias Humanitar.

Mas tinha e devia ser assim!

Três dias depois anunciávamos publicamente o plano de contingência e o novo modelo de intervenção, a saber:

Intervenção Humanitar de Cuidados Complementares em Casa, protocolo simplificado. Reduzindo-se o tempo e o número de técnicos. Limitando-se a visita às pessoas que apoiamos praticamente à enfermagem.

Intervenção SOS, com a atuação junto das pessoas vulneráveis, com cuidados de saúde complementares e amparo social. Fazendo pontes com a equipa de saúde familiar, distribuição de medicamentos hospitalares. E, até alimentos.

Disponibilização da Linha Humanitar, nestes curtos dias sistematizada e operacionalizada com técnicos. Linha esta que rapidamente passou a ser usada também por pessoas de fora dos concelhos de atuação, Sernancelhe, Penedono e Tabuaço.

Entretanto, com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, preparamo-nos para passar a apoiar mais 5 concelhos do Douro Sul, passando a um total de 8. Ou sejam, Lamego, Tarouca, Moimenta da Beira, Sernancelhe, Penedono, S. João da Pesqueira, Tabuaço e Armamar. Cerca de 75.000 habitantes.

Havia algum tempo que trabalhávamos um protocolo de parceria com a Guarda Nacional Republicana. O objetivo era aproveitar a dinâmica de apoio aos idosos que muito bem a GNR já concretizava, unindo-a com o modelo de intervenção do Aldeias Humanitar.

Na onda, forte e inesperada, da crise sanitária, eis que surge a ideia de antecipar a relação que estava em construção e levar para o terreno um modelo de intervenção conjunto, GNR | Aldeias Humanitar.

Iniciou-se deste modo a Missão Humanitar Douro Sul SOS COVID-19, sem grandes formalismos iniciais. O que importava era mitigar os impactos desta desorganização sanitária, social e económica das pessoas.

Passado este tempo, a formalização da parceria já aconteceu e a Missão GNR / Aldeias Humanitar percorre uma região imensa, de baixa de densidade populacional, com pessoas a viverem de forma dispersa, isolada e vulnerável

Com a missão no terreno, já de forma muita bem organizada, fica a certeza de indescritível valia pela recetividade das pessoas a estas equipas conjuntas.

À segurança, o respeito e a confiança que a GNR representa, junta-se a proximidade dos cuidados e a humanização da saúde concretizada pelo Aldeias Humanitar.

Nasce, neste silêncio de agitação interior, uma esperança que faz diferença relevante no corpo e na alma destas pessoas lindas deste território.

Nasce um novo modelo de humanização no interior de Portugal - Security & Healthcare.

No silêncio do confinamento físico e de inquietação mental, em poucos dias mudaram-se rotinas, rasgaram-se as certezas, demoliram-se barreiras com apenas um sopro, e, também em silêncio, fez-se futuro!

Podemos todos, desafio todos, a ousarmos demolir muros que tolhem os movimentos, com o sopro maior - o do amor! Do amor próprio, ao próximo e à humanidade!

E, no silêncio, mesmo que de inquietação, deixarmos florir a esperança!


A esperança está na capacidade de mudar, na construção de uma rede de intervenção que realmente integre a saúde e todas as dinâmicas de proteção da pessoa humana e das comunidades.

Douro Sul, 21 de junho de 2020