SOLIDARIEDADE GLOBAL NA PANDEMIA
Autor(es)
Casimiro
Cavaco Dias
Advisor, Health System and Services, Pan-American Health Organization/ World Health Organization
A Pandemia do COVID-19 abalou e virou o mundo ao contrário.
Todos os aspetos das nossas vidas foram transformados. A forma como
trabalhamos, como aprendemos, como interagimos uns com os outros, como nos
movemos e até onde viajamos. A Pandemia ameaça a sociedade e a economia na sua
essência.
Em apenas três meses, o surto de uma nova doença de
coronavírus evoluiu para uma pandemia. O COVID-19 espalhou-se rapidamente para
todos os países. E a velocidade e a escala da sua disseminação, a gravidade dos
casos e os efeitos sociais e económicos são dramáticos.
Os sistemas de saúde são desafiados pelo aumento de casos de
COVID-19, pela desinformação e pelas limitações necessárias no acesso a
serviços de saúde. Em situação de rutura, com sistemas de saúde sobrecarregados,
a mortalidade direta por COVID-19 e a mortalidade indireta por doenças
evitáveis e tratáveis aumentam significativamente. De facto, a evidência do
surto de Ébola em 2014, sugere que o aumento do número de mortes causadas pelo
sarampo, malária, HIV/AIDS e tuberculose atribuíveis à pressão sobre o sistema
de saúde foram superiores à mortalidade por Ébola.
Assegurar o acesso a serviços de saúde essenciais depende da
capacidade do sistema de saúde, da atual carga de doença e do contexto de
transmissão do COVID-19. Embora a prioridade seja prevenir a infeção, reduzir a
transmissão e assegurar o tratamento adequados às pessoas com COVID-19, é
necessário ainda assegurar o acesso a serviços de saúde essenciais. No entanto,
a mobilização de recursos para a resposta ao COVID-19 tem necessariamente um
impacto significativo no acesso a serviços de saúde, sobretudo para os grupos
mais vulneráveis. As desigualdades em
saúde e as lacunas nos sistemas de saúde, que já existiam muito antes, são
agora exacerbadas pela Pandemia e pelo impacto social e económico esperado.
Face a estes desafios, os sistemas de saúde transformaram-se para criar capacidade de lidar com a Pandemia e assegurar acesso
aos serviços de saúde essenciais. A forma como os sistemas de saúde foram redirecionados
dependeu ainda do sucesso das medidas de saúde pública, como o distanciamento
físico, para retardar a transmissão e espalhar a incidência por um período mais
prolongado. Manter a confiança da
população na capacidade do sistema de saúde para responder às necessidades de
saúde e controlar o risco de infeção torna-se essencial para garantir
comportamentos adequados na procura de serviços de saúde e a adesão a medidas
de saúde pública. Nos diferentes sistemas
de saúde, as adaptações feitas no contexto da Pandemia podem ser a base para a
futura transformação e a integração de serviços de saúde centrados nas pessoas.
Paradoxalmente, em tempos de distanciamento físico, a
solidariedade e a colaboração revelou-se mais importante do que nunca. Enquanto
mantemos o distanciamento físico, torna-se imperioso reforçar as redes de apoio
e conectar as pessoas para uma sociedade mais inclusiva, que não deixa ninguém
para trás. Com o distanciamento físico, tornamo-nos mais conscientes, pela
experiência na primeira pessoa, sobre o impacto mental da solidão e do
isolamento social. Solidão que muitas pessoas experimentam não apenas hoje, mas
sempre na sua vida, antes, durante e depois da Pandemia. Torna-se crucial assegurar o apoio
comunitário para reforçar a coesão social e reduzir a solidão, sobretudo para
os mais vulneráveis, como as pessoas idosas. Otimizar esse apoio passa pela
coordenação dos recursos do governo central, das câmaras municipais, do sector
privado, dos órgãos não-governamentais e de todos nós em geral.
A Pandemia revelou a forma intrínseca como estamos
interligados e somos interdependentes. O vírus não respeita fronteiras
políticas ou geográficas. E torna claro que o problema não se resolve em nenhum
lado até sermos capazes de resolver em todo o lado.
A Pandemia acentuou ainda mais as desigualdades
existentes. Hoje, mais de metade da
população global não tem acesso a serviços de saúde. Todos os anos, cerca de
100 milhões de pessoas caem na pobreza extrema devido a despesas de saúde. E
mais de 4,2 biliões de pessoas não têm acesso ao saneamento básico,
impossibilitando as medidas preventivas mais básicas e eficazes como a lavagem
frequente das mãos. Destaca-se assim a necessidade de construir uma comunidade
global mais bem preparada e resiliente através do investimento no sistema de
saúde. Face às extensas relações económicas e sociais entre nós no mundo, somos
apenas tão fortes quanto o sistema de saúde mais fraco.
Hoje, as expectativas que temos para novas descobertas
científicas para lidar com a Pandemia estão mais altas do que nunca. A
comunidade científica global mobilizou-se para desenvolver novas vacinas, novos
tratamentos e novas formas de mitigação de propagação do vírus.
Há ainda muitas incertezas sobre a história natural da
SARS-CoV-2, incluindo a origem, os mecanismos de transmissão e a persistência
do vírus no meio ambiente. Contudo, em
apenas meses, assistimos a importantes avanços em termos colaboração científica
global. Os cientistas chineses identificaram o novo coronavírus, SARS-CoV-2,
sequenciaram e partilharam o genoma com todo o mundo em janeiro. Várias
plataformas de partilha de dados e resultados de investigação foram criadas
para apoiar avanços científicos globais. E apesar de não haver vacina, existem
7 vacinas candidatas que já iniciaram ensaios clínicos e 77 estão em fase
pré-clínica.
A investigação e inovação na resposta a Pandemia reflete uma
obrigação moral de aprender o mais possível e o mais rápido possível. O
imperativo da comunidade de investigação é assegurar uma plataforma de diálogo
global que permita o consenso em direções estratégicas, estimule colaboração e
apoie a investigação em áreas críticas, para otimizar os esforços, os recursos
e o tempo disponível. A investigação e a utilização de evidência científica na
prática e nas políticas podem salvar vidas, e deve ser parte da reposta para a
Pandemia desde o início.
A Pandemia transformou a maneira como a investigação é
desenvolvida e partilhada. A ciência tornou-se mais aberta, mais eficiente e
mais colaborativa. Responder aos desafios globais em contextos locais tão
diferentes implica combinar essa evidência global com o conhecimento
local. Esta é a arte da ciência.
No final, quando superarmos esta crise, cabe a nós decidir
entre voltar ao normal que sempre conhecemos, ou criar o “novo” normal, onde é
possível encontrar respostas aos problemas que nos tornam desnecessariamente
vulneráveis a esta Pandemia e a futuras crises.
Este é o momento de criar novos caminhos para uma sociedade
e um mundo mais inclusivo, resiliente e sustentável.
27 junho, Washington DC, USA