SOLIDARIEDADE GLOBAL NA PANDEMIA

SOLIDARIEDADE GLOBAL NA PANDEMIA
em 2020-07-01 Ano: 2020
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Autor(es)

Casimiro Cavaco Dias

Advisor, Health System and Services, Pan-American Health Organization/ World Health Organization



A Pandemia do COVID-19 abalou e virou o mundo ao contrário. Todos os aspetos das nossas vidas foram transformados. A forma como trabalhamos, como aprendemos, como interagimos uns com os outros, como nos movemos e até onde viajamos. A Pandemia ameaça a sociedade e a economia na sua essência.

Em apenas três meses, o surto de uma nova doença de coronavírus evoluiu para uma pandemia. O COVID-19 espalhou-se rapidamente para todos os países. E a velocidade e a escala da sua disseminação, a gravidade dos casos e os efeitos sociais e económicos são dramáticos.

Os sistemas de saúde são desafiados pelo aumento de casos de COVID-19, pela desinformação e pelas limitações necessárias no acesso a serviços de saúde. Em situação de rutura, com sistemas de saúde sobrecarregados, a mortalidade direta por COVID-19 e a mortalidade indireta por doenças evitáveis e tratáveis aumentam significativamente. De facto, a evidência do surto de Ébola em 2014, sugere que o aumento do número de mortes causadas pelo sarampo, malária, HIV/AIDS e tuberculose atribuíveis à pressão sobre o sistema de saúde foram superiores à mortalidade por Ébola.

Assegurar o acesso a serviços de saúde essenciais depende da capacidade do sistema de saúde, da atual carga de doença e do contexto de transmissão do COVID-19. Embora a prioridade seja prevenir a infeção, reduzir a transmissão e assegurar o tratamento adequados às pessoas com COVID-19, é necessário ainda assegurar o acesso a serviços de saúde essenciais. No entanto, a mobilização de recursos para a resposta ao COVID-19 tem necessariamente um impacto significativo no acesso a serviços de saúde, sobretudo para os grupos mais vulneráveis.  As desigualdades em saúde e as lacunas nos sistemas de saúde, que já existiam muito antes, são agora exacerbadas pela Pandemia e pelo impacto social e económico esperado.

Face a estes desafios, os sistemas de saúde  transformaram-se para criar capacidade  de lidar com a Pandemia e assegurar acesso aos serviços de saúde essenciais. A forma como os sistemas de saúde foram redirecionados dependeu ainda do sucesso das medidas de saúde pública, como o distanciamento físico, para retardar a transmissão e espalhar a incidência por um período mais prolongado.  Manter a confiança da população na capacidade do sistema de saúde para responder às necessidades de saúde e controlar o risco de infeção torna-se essencial para garantir comportamentos adequados na procura de serviços de saúde e a adesão a medidas de saúde pública.  Nos diferentes sistemas de saúde, as adaptações feitas no contexto da Pandemia podem ser a base para a futura transformação e a integração de serviços de saúde centrados nas pessoas.

Paradoxalmente, em tempos de distanciamento físico, a solidariedade e a colaboração revelou-se mais importante do que nunca. Enquanto mantemos o distanciamento físico, torna-se imperioso reforçar as redes de apoio e conectar as pessoas para uma sociedade mais inclusiva, que não deixa ninguém para trás. Com o distanciamento físico, tornamo-nos mais conscientes, pela experiência na primeira pessoa, sobre o impacto mental da solidão e do isolamento social. Solidão que muitas pessoas experimentam não apenas hoje, mas sempre na sua vida, antes, durante e depois da Pandemia.  Torna-se crucial assegurar o apoio comunitário para reforçar a coesão social e reduzir a solidão, sobretudo para os mais vulneráveis, como as pessoas idosas. Otimizar esse apoio passa pela coordenação dos recursos do governo central, das câmaras municipais, do sector privado, dos órgãos não-governamentais e de todos nós em geral. 

A Pandemia revelou a forma intrínseca como estamos interligados e somos interdependentes. O vírus não respeita fronteiras políticas ou geográficas. E torna claro que o problema não se resolve em nenhum lado até sermos capazes de resolver em todo o lado.

A Pandemia acentuou ainda mais as desigualdades existentes.  Hoje, mais de metade da população global não tem acesso a serviços de saúde. Todos os anos, cerca de 100 milhões de pessoas caem na pobreza extrema devido a despesas de saúde. E mais de 4,2 biliões de pessoas não têm acesso ao saneamento básico, impossibilitando as medidas preventivas mais básicas e eficazes como a lavagem frequente das mãos. Destaca-se assim a necessidade de construir uma comunidade global mais bem preparada e resiliente através do investimento no sistema de saúde. Face às extensas relações económicas e sociais entre nós no mundo, somos apenas tão fortes quanto o sistema de saúde mais fraco.

Hoje, as expectativas que temos para novas descobertas científicas para lidar com a Pandemia estão mais altas do que nunca. A comunidade científica global mobilizou-se para desenvolver novas vacinas, novos tratamentos e novas formas de mitigação de propagação do vírus. 

Há ainda muitas incertezas sobre a história natural da SARS-CoV-2, incluindo a origem, os mecanismos de transmissão e a persistência do vírus no meio ambiente.  Contudo, em apenas meses, assistimos a importantes avanços em termos colaboração científica global. Os cientistas chineses identificaram o novo coronavírus, SARS-CoV-2, sequenciaram e partilharam o genoma com todo o mundo em janeiro. Várias plataformas de partilha de dados e resultados de investigação foram criadas para apoiar avanços científicos globais. E apesar de não haver vacina, existem 7 vacinas candidatas que já iniciaram ensaios clínicos e 77 estão em fase pré-clínica.

A investigação e inovação na resposta a Pandemia reflete uma obrigação moral de aprender o mais possível e o mais rápido possível. O imperativo da comunidade de investigação é assegurar uma plataforma de diálogo global que permita o consenso em direções estratégicas, estimule colaboração e apoie a investigação em áreas críticas, para otimizar os esforços, os recursos e o tempo disponível. A investigação e a utilização de evidência científica na prática e nas políticas podem salvar vidas, e deve ser parte da reposta para a Pandemia desde o início.

A Pandemia transformou a maneira como a investigação é desenvolvida e partilhada. A ciência tornou-se mais aberta, mais eficiente e mais colaborativa. Responder aos desafios globais em contextos locais tão diferentes implica combinar essa evidência global com o conhecimento local.  Esta é a arte da ciência.

No final, quando superarmos esta crise, cabe a nós decidir entre voltar ao normal que sempre conhecemos, ou criar o “novo” normal, onde é possível encontrar respostas aos problemas que nos tornam desnecessariamente vulneráveis a esta Pandemia e a futuras crises.

Este é o momento de criar novos caminhos para uma sociedade e um mundo mais inclusivo, resiliente e sustentável.

27 junho, Washington DC, USA