OS SERVIÇOS FARMACÊUTICOS NÃO PODIAM FECHAR!

OS SERVIÇOS FARMACÊUTICOS NÃO PODIAM FECHAR!
em 2020-07-07 Ano: 2020
Crónicas de uma pandemia_VF.png
Autor(es)

Patrocínia Rocha

Farmacêutica especialista em Farmácia Hospitalar

Diretora dos Serviços Farmacêuticos

Centro Hospitalar Universitário do Porto, EPE


As notícias começaram a chegar. O longe se fez perto, a dúvida certeza! 

Existiam casos em Portugal. O Centro Hospitalar Universitário do Porto (CHUP) ia receber doentes infetados por SARS-CoV-2 (COVID-19). 

A pandemia, mostrava que no mundo global ninguém está protegido, nem isolado. Todos os alertas soaram. O medo e a precaução ditaram o confinamento.

Confinámos as nossas vidas e relações familiares a um distanciamento inesperado, doloroso, mas necessário. Confinámos no coração a angústia e a incerteza!

Como líder de uma equipa fundamental no funcionamento do centro hospitalar, com uma intervenção abrangente, proteger profissionais e doentes foi a pedra de toque de toda a reformulação de circuitos e tarefas nos Serviços Farmacêuticos (SF).

Manter as 24 horas de intervenção no circuito do medicamento/produtos de saúde, garantindo a confiança e segurança exigiu união, sintonia, partilha, sacrifício e espírito de corpo.

Foram suspensas folgas e férias, as escalas mensais passaram a semanais e a evicção e segregação de profissionais nos diferentes turnos foi o reflexo desta nova realidade. Equipas com treino específico para as unidades de preparação de quimioterapia e outros estéreis como as bolsas de nutrição parentérica para a neonatologia e pediatria, difíceis de substituir, deixaram de se cruzar no mesmo espaço e ficaram também elas confinadas às respetivas unidades. 

Em cada dia as orientações internas e externas conduziam o destino do país e da instituição. Adaptavam-se serviços a doentes com COVID-19, reforçava-se a resposta dos SF para que as necessidades terapêuticas fossem devidamente asseguradas. 

Na unidade de farmácia do ambulatório o atendimento presencial foi sempre necessário, a consulta farmacêutica nos inícios e alterações da terapêutica assim o exigiam. A proximidade ao doente tinha agora barreiras transparentes que não impediram a informação e o aconselhamento certo nos momentos de dúvida. Simultaneamente foi necessário inovar e entregar os medicamentos no domicílio do doente. Os farmacêuticos, num esforço acrescido, implementaram esse projeto em poucos dias garantindo o necessário confinamento dos doentes e dos seus cuidadores.

O hospital de campanha no SB Arena trazia mais um desafio. Em regime de voluntariado e em menos de 24 horas os farmacêuticos e AOP montaram uma pequena farmácia de suporte às atividades desse hospital.

A desinfeção constante das mãos e dos equipamentos, a colocação da máscara, foram hábitos interiorizados rapidamente, não sem esforço e estranheza, mas com coerência e sistematização.

Fechámos o serviço ao exterior, mas não o contacto, o cuidado, o suporte e a resposta atempada a cada solicitação.

Todos Farmacêuticos, TSDT, AOP, AT se excederam na abnegação e desempenho. 

Destaco este episódio peculiar da nossa vivência em pandemia. Perante a rotura de solução antissética de base alcoólica e álcool a 70°, voltámos a ser boticários, ler a fórmula e fazer segundo arte (f.s.a) os litros necessários para garantir as necessidades do centro hospitalar. O teor alcoólico do álcool com 70°, obtido a partir do desdobramento do álcool com 96°, foi confirmado com um alcoómetro. Esse alcoómetro pertence ao acervo do Museu da Medicina e da Farmácia do CHUP e não era usado há mais de 30 anos. Em tempos pandemia estas estórias enriquecem a história da farmácia pela singularidade e emotividade.

Os Serviços Farmacêuticos nunca fecharam, as luzes nunca se apagaram e o orgulho do dever cumprido alimentou a cadência dos atos nestes dias difíceis.

Aprendemos na nossa primeira pandemia a superar fragilidades e que podemos vencer pelo querer.

No íntimo, cada um de nós já o sabia…  


“Não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente, mas o que melhor se adapta às mudanças.”

Leon C. Megginson

Porto (Serviços Farmacêuticos do CHUP, EPE), 26 de junho de 2020 


TSDT – Técnicos Superiores de Diagnóstico e Terapêutica
AOP – Assistente Operacional
AT – Assistente Técnico
SB Arena – Super Bock Arena – Pavilhão Rosa Mota